Seja bem vindo.

A voz do Basilisco não é tão feia quanto parece.

terça-feira, 1 de março de 2011

DEMOCRACIA E “DEMOCRATISMO” NAS ESCOLAS PÚBLICAS


       Michael Albert (1947) é um escritor e ativista americano que na década de 60 participou do grupo “Estudantes para uma Sociedade Democrática” e do “Movimento anti-Guerra do Vietnã”. Desenvolveu com outro americano o conceito chamado “Economia Participativa”, que inclusive, faz parte do currículo de Biologia que é destinado aos alunos de EJA da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Como ele é um sujeito de esquerda num país onde viver como “esquerdista” é muito difícil, posso utilizá-lo para me blindar contra a pecha de reacionário. O que fala Michael Albert de importante? Vejamos: “acreditamos que a resposta é que cada agente deve participar do processo de tomada de decisões, na mesma proporção que ele é afetado pelas conseqüências, ou o que nós chamamos de ‘autogestão’.” A autogestão, neste sentido, é a participação nas decisões nas mesmas proporções em que se é afetado por elas. ”[1] Esta autogestão está intimamente ligada à democracia que para Aristóteles seria do Povo , com o povo e para o povo . Simetricamente, nas escolas deveria ser da escola, com a escola e para a escola. Sendo assim, devo dizer: sou à favor de uma Gestão Democrática. Mas o que vem a ser esse modelo de gestão? 
Hoje, 28 de fevereiro de 2011, houve uma audiência na CLDF para discutir a implementação da Gestão Democrática nas escolas públicas do Distrito Federal e para fazer um contraponto com a moribunda Gestão Compartilhada. Estavam presentes muitos diretores de escolas, professores, representantes dos pais, alunos, deputados e a cúpula da Secretaria de Educação, estando à mesa a ilustríssima e educada secretária Regina Vinhaes e a Deputada Rejane Pitanga. Tanto a Secretária como a Professora Deputada Rejane Pitanga (assim como outras pessoas) utilizaram os termos de que é preciso “radicalizar a gestão democrática”.      O filosofo espanhol José Ortega y Gasset afirmou em sua “Rebelião das Massas” que com relação aos primórdios dos regimes democráticos “A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. Ao servir a estes princípios o indivíduo obrigava-se a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil” Depois ele fala que” Democracia e Lei, convivência legal, eram sinônimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa atua diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos”. [2]Palavras do filósofo, não minhas. Olhem que este livro é de 1930! Como seria bom se a Gestão Democrática fosse implementada fundamentada expressivamente na lei e não meramente em “aspirações” e “gostos” como bem disse o madrileno.     
       Nas escolas, a discussão sobre o que seria uma “gestão democrática” ainda é muito fraca. Eu sempre pergunto a vários colegas e alunos qual seria a diferença entre a gestão democrática e a gestão compartilhada e raramente recebo respostas. Alguns dizem que a diferença está na não necessidade de provas de admissão. A maioria diz que é porque a “gestão democrática é democrática e que a compartilhada não é”. Creio que não deve ser fácil participar satisfatoriamente de uma estrutura que a gente não sabe ao certo como funciona. Darcy Azambuja em sua Teoria Geral do Estado relata que a “Assembléia do povo detinha realmente o supremo poder, porém este não era ilimitado. Até o apogeu do regime democrático a consciência coletiva guardava um complexo difuso de preceitos religiosos, morais e civis, que nenhum cidadão ousaria desobedecer ou alterar” [3] Não sei se a consciência coletiva das escolas está sendo levada em conta na redação do PL do modelo de gestão sugerido, que todo mundo recomenda, mas que ninguém sabe como funciona.
       A democracia - embora seja o melhor regime político que temos - não é perfeita, ela tem alguns defeitos. Por exemplo: se um governo ou gestor democraticamente eleito adota alguma medida ou projeto em longo prazo que seja muito bom e que produza algum progresso para as instituições geridas, não há nada que possa garantir que essas medidas não sejam descartadas pelo próximo gestor que também será democraticamente eleito. Ou seja, um gestor pode desmanchar as medidas do outro ao seu bel prazer, bastando para isso o apoio de uma terceira força, seja ela uma câmara legislativa (no caso do GDF) um grupo de professores ou um conselho escolar (no caso de uma direção de escola). Outro problema da democracia é o fato de que ela é um regime que não consegue proteger satisfatoriamente as minorias da tirania da maioria.
       A “democracia efetiva” nas escolas passa necessariamente pela responsabilidade coletiva que na prática, se evidencia nas ações concretas e não no trololó cotidiano ou nas conversas de assembléia (com latinha de Skol na mão). Uma escola é democrática quando o professor se preocupa em ensinar as competências do currículo e não em doutrinar os alunos para a sua corrente ideológica ou religiosa. A gestão é democrática quando os diretores tratam os professores com isonomia e não a partir de troca de favores ou de apoio político. A escola é democrática quando visa o bem do aluno de forma que  o professor faltoso leva falta na folha de ponto e onerado na forma da lei  e o aluno indisciplinado é punido, caso contrário, a escola é injusta com o professor freqüente e desonesta com o aluno disciplinado ,pois como disse Ruy Barbosa no Senado em 1914: “A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”[4] A democracia impera quando os alunos contribuem para a limpeza e para organização da disciplina no ambiente escolar combatendo a depredação e o vandalismo, pois, afinal de contas, desta forma eles estão gerindo o seu próprio ambiente e exercendo os preceitos democráticos. É importante que o corpo docente, o corpo discente e os outros membros da comunidade sejam ouvidos. Acontece que isso não significa que eles tenham que ser atendidos em todas as colocações e reivindicações. Quantos de nós não ficamos irritados com aquelas reuniões onde há discussões intermináveis, com temas que não estão na pauta, com assuntos irrelevantes que não dizem respeito à escola, com compromissos levantados e assumidos pelo grupo e que todo mundo sabe que não serão cumpridos? Pois é, esses procedimentos estão todos arrolados no que poderíamos classificar como “democratismo”. Qualquer um sabe que há questões que não precisam passar pela avaliação dos alunos (grade curricular, tempo de cada aula etc.), assim como há questões que são políticas de Estado, que podem até mesmo serem discutidas pelas esferas inferiores que poderão livremente informar, opinar, orientar, mas que a decisão caberá de forma categórica aos agentes executores do Estado, mesmo que estes agentes às vezes nem saibam por onde começar.
       Se não bastasse tudo isso, o que de antidemocrático é visto nas escolas? Vemos muitos professores reclamando da “inutilidade” das coordenações pedagógicas e muitas escolas fazendo de conta que elas não fazem parte do trabalho de forma que em muitas delas os docentes são liberados para “coordenar em casa” como se as coordenações dos dias de hoje não tivessem origem no sangue e no suor de professores que no passado conquistaram esse direito através de greves e de lutas contra regimes não necessariamente democráticos. Observamos os pais abandonarem a educação dos filhos para que os mesmos sejam tutelados provisoriamente pelos professores, como se os mestres fossem monitores do Hot-Zone. Vemos cada escola adotar o currículo que bem entende, da forma como deseja, na ordem que bem lhe aprouver sem que ninguém das regionais ou dos núcleos pedagógicos tenha conhecimento. Vemos direções se perpetuarem na gestão das escolas por anos e anos como se o mandato fosse vitalício ou como se a escola fosse uma capitania hereditária. Vemos os projetos da parte diversificada funcionando na maioria das escolas apenas para “segurar” aquele professor que eventualmente sobraria na modulação. Isso tudo, mesmo que às vezes seja decidido ou implementado com a anuência da maioria é antidemocrático porque está mais próximo do “democratismo” que da própria democracia. Ou seja, é a própria hiperdemocracia nociva levantado por Ortega y Gasset. Isso tudo é antidemocrático apenas porque não é o exercício do poder da escola, com a escola e para a escola. Espero que nossos representantes e nossos gestores se lembrem disso e que isso seja em benefício do aluno, com o aluno e para o aluno.

JT

[1]Albert, Michael. Versão online :
http://www.zcommunications.org/participatory-economics-by-michael-albert.pdf
[2]Ortega y Gasset, José versão digital:
http://www.ebookcult.com.br/acervo/livro.php?L=122&cat=SOC026000
[3]Azambuja, Darcy. Teoria Geral do Estado. Editora Globo. 1979. Pag 217.
[4]Barbosa, Ruy.  Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86