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A voz do Basilisco não é tão feia quanto parece.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A “Maravilhosa Escolha “ dos Livros do PAS/UnB.



Hoje pela manhã (29-11)  estávamos comentando na sala dos professores: colocar um aluno de 1º ano de Ensino Médio para ler “Cartas Chilenas” e outros livros indicados para o Programa de Avaliação Seriada da UnB é uma violência e um incentivo à aversão à leitura. Os alunos que lerão as obras constantes da listagem certamente serão os poucos dedicadíssimos além da média. Bem que o CESPE poderia colocar um ou outro exemplar de livros “instrutivos que fossem divertidos” para que quem ainda não goste de ler fosse tomando gosto pela leitura. O engraçado é que quando cheguei em casa reli um pouco do “Humano , demasiado humano” do Friedrich Nietzsche que eu tenho comigo desde 2001 e   que não está na lista do PAS. Algum “centauro invertido” misturado com Fanfarrão Minésio preferiu colocar “Crepúsculo dos Ídolos” na listagem de leitura , como se os alunos já houvessem lido as obras dos “ídolos” de que o livro trata ou ouvido música clássica de Wagner. O alemão dá uma de morde e assopra, mas é interessante o trecho do  “Humano, Demasiado Humano” , onde precisamente no aforismo 266 , Nietzsche fala:

Efeito Subestimado do ensino ginasial – Geralmente não enxergamos o valor do ginásio nas coisas que nele aprendemos de fato e que dele sempre conservamos, mas naquelas que são ensinadas e que o aluno assimila a contragosto para delas se livrar o mais rapidamente que possa. A leitura dos clássicos – toda pessoa educada há de convir – é, do modo como se realiza em toda parte, um procedimento monstruoso: feita para jovens que de modo algum estão maduros para ela, e por professores que com toda a palavra, às vezes com a própria figura, já cobrem de mofo qualquer bom autor. Mas nisso está o valor que normalmente não é reconhecido – esses professores falam a língua abstrata da cultura superior, pesada e difícil de compreender, mas uma elevada ginástica da mente; em sua linguagem aparecem continuamente conceitos, termos especiais, métodos, alusões que os jovens quase nunca ouvem na conversa com familiares ou na rua. Se os jovens apenas ouvirem, seu intelecto será involuntariamente preparado para um modo de ver científico. Não é possível que alguém saia dessa disciplina totalmente intocado pela abstração, como puro filho da natureza.”
NIETZSCHE, Humano, Demasiado Humano.

Estão vendo? Nietzsche faz parte do nosso cotidiano e a gente nem se dá conta.

Educação para a Liberdade



Dizem os filósofos que liberdade é uma espécie de “independência”. Descartes diz que é livre quem compreende as alternativas para a escolha, Spinoza sugere que é livre quem age de acordo com a própria natureza e Nietzsche diz que é livre o homem que é um criador de novos valores. Muitos outros filósofos têm outras definições para o que seja a Liberdade.
 O sujeito que goza plenamente de liberdade é dotado de uma espontaneidade racional, uma autonomia característica de quem é livre. Melhor falando: seria uma pessoa que pensa com a própria cabeça e não uma pessoa que apenas repete aquilo que o mestre mandou. Dizem que quem se submete ou serve involuntariamente a algo ou a alguém não é uma pessoa livre, afinal de contas a liberdade não se vincularia a algo externo à própria racionalidade de quem tem os atributos por ela fornecidos.
Existe um vício indecente nas grandes escolas de maneira que  a Educação seja conduzida de tal forma que o Ensino seja orientado como se todos estivessem predestinados a serem médicos e engenheiros. A própria Educação encontra-se engessada como se os jovens fossem obrigados a já definir no Ensino Médio aquilo que eles serão para o resto da vida.  Dentro do ambiente escolar não se discute de maneira objetiva e satisfatória fatores tais como reprovação, evasão e adaptação de conteúdos.E quando se discute, não se aponta uma solução ou mecanismos de melhoramento.Uma Educação nesses termos com certeza não atende às prerrogativas do que seria uma Educação para a Liberdade. Contrariando a prática cotidiana, dizem os educadores que a Educação deve libertar e abrir o número de possibilidades e não restringi-las. Os jovens devem ser ensinados a construírem seu próprio caminho com uma autonomia racional. “Estudar é preciso! Aprender para ser livre!” Diferenciar verdade de mito, Ciência de Crendice. Transformar a sociedade, produzir riqueza. Reduzir a desigualdade. Eis o novo mantra: Tornar-se bem sucedido no individual para que isso se manifeste no coletivo. A educação que liberta é uma educação que ensina a duvidar: nenhum caminho é seguro, nenhuma verdade é absoluta. Quem pensa com a própria cabeça, mesmo que pense errado, não acredita em tudo o que se diz, seja na escola ou fora dela. A escola muitas vezes, em vez de educar, domestica. Como se estivesse fazendo um grande favor em tornar o aluno um “animal melhor”. Um animal domesticado vai por onde seu dono o leva. Um animal da floresta vai atrás da própria comida. Na ânsia de tornarem os alunos discípulos “melhores”, muitos mestres valorizam apenas as competências que eles mesmos colocam no prato, desvalorizando as outras vertentes de aprendizado que culminam em outros conteúdos significativos.

 A educação deve fazer com que o  aprendiz olhe para trás, compreenda a justificação histórica das coisas, entenda o porquê de se encontrar no estágio em que se encontra, no estado em que está. Se por acaso o processo educativo o fizer descer um degrau , que seja para pegar impulso para saltar 2. Deve fazê-lo mover-se para frente, sair do estado de letargia. Um estudante que não sabe onde ele mesmo e seus semelhantes estavam e onde estão não poderá determinar para onde ele mesmo vai ou antever para onde os segundos vão. Quem não determina para onde vai e não observa previamente para onde os outros vão não é protagonista da própria história. O problema maior é que essa liberdade, que deve ser um produto da Educação, não é automática e muito menos absoluta. Quem de nós sabe exatamente para onde vai ou relembra perfeitamente os caminhos por onde pisou? Até que ponto se ensina nas escolas uma espécie de texto instrutivo que às vezes quem o ensina jamais colocou a receita no forno? Por acaso são os professores livres para ensinarem os alunos a também serem livres? Não sendo livres, por acaso seriam escravos?Até que ponto o professor é Senhor no processo educativo e até que ponto é lacaio? O que um escravo aprende quando é ensinado por outro escravo? Ele aprende a ser livre ou aprende a ser um escravo melhor? Haverá um pouco de escravo e um pouco de liberto em cada um que ensina e em cada um que aprende? Seria a  liberdade  uma construção que não acaba e é sempre exercida com diversas variantes de graduação?
Alguém diria em uma parábola biológica que a   Liberdade tem tentáculos, pseudópodos e  protuberâncias. Para que servem tentáculos? Os polvos não os usam para agarrar? Com os tentáculos eles  não se defendem? Com esses apêndices não segmentados eles não tateiam o ambiente em busca do que lhes é útil?  Por acaso não se alimentam usando os tentáculos? E os tentáculos da água-viva? Seriam eles inofensivos? Não haveria neles cnidoblastos com substâncias urticantes que paralisariam pequenas presas? Dessa maneira, seria por acaso a liberdade inofensiva?  Poderia um cnidócito matar um Dragão de Komodo? E os pseudópodos? Para que as amebas os utilizam? Não seriam essas extensões fluidas de citoplasma utilizadas para englobar partículas para que sejam digeridas? E por acaso digerem tudo? Uma ameba consegue digerir partículas de sílica? Uma liberdade pode destruir uma verdade cortante? E o que ocorre quando uma liberdade individual se encontra com outra liberdade individual? Por acaso elas se acariciam mutuamente e deslizam uma sobre a outra como se fossem lisas e esféricas ou se emaranham e se prendem através de  protuberâncias que provocam atrito e conflitos?  Não seria a “disciplina coletiva” uma espécie de lubrificante que diminui o atrito de uma liberdade com outra liberdade? Essa disciplina coletiva se aplicaria a quem aprende ou também a quem ensina?
Podemos usar um pressuposto:" não existe liberdade absoluta". A liberdade deve estar condicionada a certas regras mínimas. A Educação que liberta ensina a fazer tudo  que se quer? O querer é voluntário ou surge de algo que  não entendemos? Nós queremos porque queremos querer ou esse querer é involuntário? Se o querer é fruto de uma vontade que está fora da razão da própria pessoa, podemos afirmar com segurança: aquele que faz tudo aquilo que quer não é uma pessoa livre; é na verdade um escravo de uma vontade que ele não domina, mas que por ela é dominado. Uma Educação para a Liberdade é aquela que permite que uma liberdade individual não impeça a existência de outra liberdade individual. O Educar para a Liberdade atende e sintetiza os pressupostos dos 3 filósofos citados: dá ao aluno conhecimento das alternativas para as escolhas e não a escolha pronta, assim como lhe possibilita a compreensão de sua própria natureza para que isso se comunique com os valores que serão gerados a partir da sua própria existência e não restritamente  com os valores  esperados de uma sociedade domesticada.