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domingo, 9 de dezembro de 2012

PALAVRAS IMORTAIS DE ORTEGA Y GASSET SOBRE A EDUCAÇÃO E PERGUNTAS INCÔMODAS QUE QUEREM RESPOSTAS

 
 
ORTEGA Y GASSET E AS MUDANÇAS PEDAGÓGICAS no DF.
Ortega y Gasset foi um filósofo espanhol com trabalhos importantes e interessantes na área de Educação. O Ministério da Educação/FNDE/Fundação Joaquim Nabuco enviou às escolas em 2010 a Coleção Educadores, que reserva um Volume para aspectos da Obra do filósofo espanhol na área educacional. Quem assina o prefácio é o ex-ministro Fernando Haddad.
1-    O professor tem conhecimento e se importa com o contexto pessoal do aluno?
No tomo XIX das Obras Completas, página 13, Ortega y Gasset afirma “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo eu”.  Juan Guillermo Droguett pergunta a respeito em seu “Ortega y Gasset, Uma crítica da Razão Pedagógica” se o professor conhece a circunstância interna e externa do aluno que ele educa. “Os professores encarregados de preparar para a vida futura não se conscientizam das coisas a não ser quando passam por elas.”“ Ao entrar o pedagogo em relação educativa com seu aluno, encontra-se frente a um tecido social, não frente a um indivíduo”.
2-    Os professores julgam  importante fazer a adaptação curricular de acordo com a necessidade e desenvolvimento do seu aluno ou de forma que facilite os estudos? 
No tomo IV das Obras completas Ortega y Gasset diz algumas coisas interessantes:
Nas páginas 331 e 332 ele menciona a necessidade de se adaptar os conteúdos do ensino ao aluno do Ensino Médio, para ensinar só aquilo que se pode aprender, sendo isso um postulado da técnica pedagógica. E outra coisa: “a técnica DOCENTE só é necessária quando os conteúdos a transmitir ultrapassam as possibilidades de aprender, e hoje, mais do que nunca, o excesso da riqueza tecnológica e a acessibilidade dos textos ameaça a possibilidade de absorção do ser humano.” E lembrem que Ortega y Gasset faleceu em 1955, quando nem havia a internet. Quando trata do Ensino nas Universidades à época, o autor ainda fala que a função principal não se limita à formação de pesquisadores, cientistas e membros das profissões intelectuais sendo a função principal socializar, civilizar os cidadãos de uma sociedade democrática, introduzindo-os no essencial da Cultura.
Alguns professores falam: “Ora, os alunos não querem nada!”
3-    Existe algum mecanismo de fazer com que os alunos se interessem por assuntos que de maneira nenhuma lhe parecem interessantes?
A situação do estudante ante a Ciência (aos conteúdos) é oposta aposição de quem traz as competências à tona para ele: Em seu trabalho “SOBRE O ESTUDAR E O ESTUDANTE” disponível em pdf na internet, o filósofo espanhol afirma:
“Se a ciência não estivesse já aí, o bom estudante não sentiria qualquer necessidade dela, quer dizer, não seria estudante. Estudar é para ele uma necessidade externa, que lhe é imposta. Portanto, ao colocar o homem na situação de estudante, este é obrigado a fazer algo de falso, a fingir uma necessidade que não sente.Várias objeções são aqui possíveis. Dir-se-á, por exemplo, que há estudantes que sentem profundamente a necessidade de resolver determinados problemas constitutivos desta ou daquela ciência. É verdade que os há. Mas é impróprio designá-los por estudantes. Impróprio e injustificado. Trata-se de casos excepcionais, criaturas que, mesmo que não existissem estudos ou ciências, inventá-los-iam por si mesmos, sozinhos, melhor ou pior; criaturas que, por uma inexorável vocação, dedicariam todo o seu esforço a investigar. Mas, e os outros? E a imensa maioria normal? São estes e não aqueles que realizam o verdadeiro sentido — não utópico — das palavras  estudar” e “estudante”. São estes que é injusto não reconhecer como os verdadeiros estudantes. É pois em relação a estes que se deve colocar o problema de saber o que é estudar enquanto forma e tipo do fazer humano.(...)  É um imperativo do nosso tempo—cujas graves razões exporei um dia, neste curso — sentirmo-nos obrigados a pensar as coisas no seu ser desnudado, efetivo e dramático. É essa a única maneira de nos enfrentarmos verdadeiramente com elas. Seria encantador que, ser estudante, significasse sentir uma vivíssima urgência por este ou por aquele saber. Mas, a verdade, é estritamente o contrário: ser estudante é ver-se alguém obrigado a interessar-se diretamente por aquilo que não o interessa ou que, em última”.
No Tomo I , pag 508: “Pela Educação, obtemos de um indivíduo imperfeito, um ser humano mais aperfeiçoado.” 
4-    Qual é o tipo de escola que queremos?A escola deve  preocupar-se apenas com os alunos que se interessam pelo processo educativo, apenas com os que não se interessam ou com cada um de maneira diferenciada ou particular? 
E no caso da Resistência Prévia às implementações pedagógicas?   “A velha democracia viveu temperada por uma abundante dose de respeito para com as minorias dirigentes e de entusiasmo pela lei. Ao servir estes princípios, o indivíduo vê-se obrigado a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil. Democracia e lei, convivência legal eram sinônimos.” Ortega y Gasset dizia que àquela época assistíamos ao triunfo de  um modelo de “hiperdemocracia” em que a massa atuaria diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.” O autor ainda constata que  quando se inaugurou a democracia e o sufrágio universal como forma geral de governo no mundo, as massas não decidiam. O papel das massas consistia em aderir à decisão de uma ou outra minoria aceitando um projeto de decisão de uma minoria dirigente. A minoria dirigente que seria escolhida democraticamente.
 
5-    O professor ou gestor de escola que exige maior poder de decisão e participação nas medidas educacionais tomadas pelo estado abre mão do seu poder de decisão quando confrontado por pais e alunos? Eles dão aos pais e alunos a liberdade e o prisma de direitos de decidir sobre o processo  da forma que eles pedem aos governantes?
 
Há um problema que reflete bem a situação do Distrito Federal: “a declaração das minorias dirigentes representa o avesso da rebelião das massas.” O que Droguett avaliou em sua publicação: “Quando certas minorias dirigentes deixam de cumprir com o seu papel histórico, quando se limitam a exercer o poder por meio de mandatos, e não de exemplos, começa a perder sua função própria que é a de fundamentar o mando como exemplo.”
 
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

"Vivemos no melhor dos tempos".

A avaliação da época em que nos encontramos é um tema que muito me agrada. Encontrei essa entrevista interessante. Vale a pena lê-la.

Steven Pinker: Vivemos no melhor dos tempos


Em entrevista para a jornalista Gabriela Carelli, de VEJA desta semana, o psicólogo Steven Pinker conta: “Vivemos no melhor dos tempos”. Confiram:

O canadense Steven Pinker, de 57 anos, professor de psicologia da universidade americana de Harvard, é autor de treze livros que fizeram dele uma celebridade intelectual planetária. Seu sucesso se deu sem que ele fosse forçado a banalizar suas concepções científicas. Em seu novo livro, The Better Angels of Our Nature – Why Violence Has Declined (Os Anjos Bons Dentro de Nós – Por que a Violência Declinou), Pinker demonstra com estatísticas que a humanidade passa por seu mais pacífico período histórico. Nessa visão, o terrorismo islâmico, os massacres em escolas e locais públicos e a criminalidade urbana empalidecem diante da brutalidade sem limites das eras anteriores. Pinker diz que o anjo civilizatório, enfim, aprisionou a maldade inata do homem.

Por que os ataques de 11 de setembro de 2001 ou o massacre de quase uma centena de inocentes na Noruega em julho passado não desmentem sua tese?
As estatísticas são imprescindíveis para justificar qualquer argumento científico. Elas são um método válido e seguro de avaliação. É o que torna a minha tese legítima. Nenhum cientista sério poderia afirmar que vivemos o período mais pacífico da humanidade só com base em impressões que ele próprio ou os outros têm sobre determinados eventos. A mente humana é vulnerável a enganos e ilusões. Nossas impressões sobre quão violento e cruel é um determinado episódio devem-se à nossa memória, que sempre é contaminada pelas emoções que sentimos quando presenciamos ou vivenciamos algo. Hoje em dia, grande parte da elite intelectual, principalmente na sociologia, psicologia e antropologia, menospreza a estatística e o raciocínio lógico. Esse preconceito só contribui para a proliferação de uma pseudociência e suas análises mal fundamentadas. O fato é que, desde 1945, o número de mortos em guerras ou de vítimas de assassinatos e estupros é o menor dos últimos 5 000 anos, quando se leva em conta a relação com o total da população.

Para quem tem um parente morto de forma violenta, as estatísticas não valem muita coisa, certo?
Desde o lançamento do livro, fui surpreendido por reações inesperadas. Algumas pessoas duvidaram do meu trabalho, outras puseram em xeque minha idoneidade. Houve quem se enfureceu e considerou minha tese obscena. Muitos acadêmicos se revoltaram. Por isso, é sempre bom esclarecer alguns pontos. Em nenhum momento eu disse que a violência desapareceu. Quando esta entrevista for publicada, tragédias e crimes estarão na primeira página dos jornais. Também não quis minimizar eventos trágicos recentes, como a guerra no Iraque ou o massacre em Darfur, nem as grandes guerras ou as atrocidades cometidas por ditadores e genocidas. Tudo isso é condenável e doloroso. Mas não invalida a constatação de que o mundo já foi muito pior do que é agora. Grandes pensadores teorizaram sobre como teria sido a vida dos homens no estado natural antes do advento das leis e das formas mais rudimentares de governo. Com ajuda da alta tecnologia podemos agora não apenas teorizar sobre o grau de barbárie da pré-história, mas estimar com precisão o número altíssimo de pessoas que morriam massacradas por inimigos. Nada autoriza a ideia tão disseminada de que o passado humano foi bucólico, pastoril e pacífico. Há poucos séculos matavam-se pessoas com base em superstições avalizadas pela hierarquia religiosa, a escravidão era oficial e apenas discordar da opinião vigente podia equivaler a uma sentença de morte.

Alguns cientistas acreditam que o declínio da violência se deve a uma mudança na própria natureza humana. O senhor acha isso possível?
É improvável. A reação violenta foi um traço incorporado à humanidade durante o processo evolutivo. Ser violento foi determinante para a sobrevivência da espécie na defesa contra as feras, na caça e, claro, na disputa por uma mulher no acasalamento. Até os 2 anos as crianças são extremamente violentas. Só não matam umas às outras porque não damos a elas revólveres ou facas e porque estamos presentes para ensiná-las a se comportar. Elas se valem da violência para disputar espaço com os irmãos e a atenção dos pais. As mães ficam furiosas quando leem isso, mas a neurociência comprovou que as pessoas aprendem a ser menos violentas com a maturidade. Isso coincide com o desenvolvimento do lobo frontal, a região do cérebro responsável pela linguagem, pelo domínio motor, mas principalmente pela personalidade, a consciência de si mesmo e da existência do outro. O prazer com a violência é uma realidade. As pessoas são coibidas de praticá-la nos moldes da pré-história ou da Idade Média, mas dão vazão a ela em games, assistindo a filmes de Mel Gibson ou a lutas de vale-tudo. As pesquisas mostram que de 70% a 90% dos homens já se imaginaram matando alguém. Entre as mulheres esse número varia de 40% a 60%.

Por que então o mundo se tornou mais pacífico?
Meu livro mostra que uma sucessão de eventos históricos fez com que o lado bom do homem sobressaísse ao violento e animalesco. Todos temos demônios e anjos dentro de nós. O processo civilizatório, com o advento do estado, a institucionalização da Justiça, a difusão e o aprimoramento da cultura, permitiu que os anjos derrotassem os demônios. Foi o que livrou a espécie humana da barbárie. No século XVII, o filósofo Thomas Hobbes enunciou no seu Leviatã que, na ausência de regras de convivência sob leis e imposições da sociedade, a vida humana era “solitária, miserável, repugnante, brutal e curta”.

A constatação de que o “estado natural” do homem é a violência encerra a discussão sobre o que influi mais no comportamento humano, a natureza ou o aprendizado?
Estamos longe de pôr um ponto final na questão sobre o que pesa mais, a genética ou o que aprendemos no decorrer da vida. Mas, no estado natural, quem tem razão é Hobbes, e não o suíço Jean-Jacques Rousseau, cujo argumento era que o ser humano nasce bom e é, posteriormente, corrompido pela sociedade. Durante toda a minha carreira, tentei derrubar essa falácia de que a mente é uma tábula rasa e de que qualquer traço humano é fruto do meio em que ele vive ou é moldado pelas instituições sociais.

O senhor despertou fúria ao afirmar que o Holocausto não foi o primeiro genocídio da história…
Eu sou judeu também e sou sensível a essa questão. O Holocausto tem características únicas, terríveis, que o tornam um ato de horror incomparável. Os nazistas estavam tão empenhados em matar os judeus e em varrê-los do mapa que os buscavam a milhares de quilômetros de distância para ser mortos em câmaras de gás. O extermínio dos judeus não foi o primeiro genocídio da história, mas foi o mais cruel. Há um outro ponto em relação à II Guerra. Sem dúvida, foi o evento no qual mais se mataram pessoas desde o surgimento da espécie humana. Mas não está claro se, em porcentagem de população, morreram naquela guerra mais pessoas do que em outras.

A que se deve a emergência do nazismo na Europa na plenitude da civilização do século XX?
O declínio da violência através dos séculos deu-se de forma cíclica. Aos picos de violência, como as grandes guerras do século passado, sempre se seguiu o retorno ao estado pacífico. As estatísticas comprovam que, com o passar dos séculos, aos picos de violência se sucedem períodos cada vez mais duradouros de paz. No caso da Alemanha, é preciso observar que, por baixo da fina camada de verniz civilizatório da República de Weimar, o curto período democrático depois da I Guerra, fervia o nacionalismo retrógrado baseado na ideia da superioridade racial teutônica que descambaria no nazismo. Foi algo tão forte que apagou a noção do bem e do mal. Muitos dos carrascos nazistas se consideravam bons soldados e cidadãos que apenas cumpriam seu dever.

Em que situações as pessoas se tornam cegas a ponto de compactuar com atrocidades como as cometidas pelos nazistas?
A filósofa alemã Hannah Arendt foi uma das primeiras a tentar explicar esse fenômeno, que ela definiu como “a banalização do mal”. Em seu trabalho, de 1963, ela defendeu a tese de que as maiores atrocidades da história não foram de responsabilidade de sociopatas ou fanáticos, mas de pessoas comuns que se deixaram levar por líderes carismáticos. Essas pessoas cometeram as maiores atrocidades sem se dar conta do grau de maldade de suas ações. Hoje as ideologias fazem o papel dos líderes carismáticos nesse processo de arrastar pessoas normais para a prática de atos insanos.

Ainda fica de pé a ideia de que o bem e o mal são definidos culturalmente?
Em geral, as pessoas entendem que o mal está em produzir sofrimento nos outros por meio de atos premeditados e sem uma razão muito forte. O mais interessante, no entanto, é que a maioria dos indivíduos que cometem atos perversos não acha que agiu com maldade. O cérebro humano evoluiu de forma a sempre advogar a favor de si próprio. Somos os mais devotos defensores de nós mesmos. A primeira reação ao sermos confrontados com o fato de termos feito algo ruim é tentar nos convencer e aos outros de que aquilo não foi tão grave. A segunda é transferir a responsabilidade. Nosso cérebro quer sempre nos fazer acreditar que se agimos mal foi porque fomos provocados.

O neurocientista americano Sam Harris defende a ideia de que existe uma “ciência da moral”, ou seja, que o bem e o mal podem ser definidos com rigor metodológico. O senhor concorda?
Entendo o argumento de Sam Harris. A suposição de Harris se baseia no fato de que a moral é tradicionalmente definida pela religião ou pela filosofia. Nessas duas cátedras, as definições de bem e de mal estão dissociadas de algo imprescindível, a questão do sofrimento humano. No conceito de ciência da moralidade, sempre que há sofrimento o mal está presente. Quando há felicidade, o bem prevaleceu. De fato, se tomamos o fenômeno por essas características de apuração simples, é possível obter uma resposta objetiva e mais científica do que sejam o bem e o mal.

Na sua visão, quais foram as razões que levaram ao fracasso os sistemas políticos movidos pela ideia de estabelecer a igualdade entre os homens?
O comunismo e outros governos fundados sobre utopias encorajaram as pessoas a ser violentas quando as convocaram para lutar por um sonho. Pelo sonho vale tudo. Aqueles sistemas políticos levaram as pessoas a acreditar que fora da utopia não existe o bem. Por essa razão, tanto o comunismo como o nazismo e o fascismo degeneraram no assassinato coletivo de enormes proporções. A lição aqui é que a violência inata do homem está sempre à espreita e que os governos democráticos são a forma mais eficaz de impedir que ela se manifeste na sua pior forma.

Como o senhor avalia o impacto dos avanços tecnológicos e da internet na violência?
A suposição de que o maior acesso a armas mais potentes aumenta a violência é equivocada. Ao ler notícias como a do massacre na Noruega, muita gente pode ter a impressão de que a tecnologia contribuiu para que um só indivíduo matasse quase uma centena de pessoas. Episódios desse tipo distorcem a percepção da realidade. Depois de Hiroshima e Nagasaki, nunca mais um país ousou acionar seu arsenal nuclear – não por questões técnicas, mas pela imposição moral.

O senhor é um otimista incurável?
Sou pessimista e otimista ao mesmo tempo. Acredito que a violência deva aumentar no futuro próximo. A história mostra que mudanças culturais e sociais, crises econômicas, novas ideologias e tecnologias podem incitar guerras, conflitos, rebeliões e enfurecer determinados grupos sociais. Mas sou otimista em relação ao fortalecimento dos períodos de paz depois de surtos de violência extrema. Os períodos de paz tendem a ser cada vez mais longos e duradouros.


* Entrevista retirada de http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/steven-pinker-vivemos-no-melhor-dos-tempos/