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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Deserto dos Tártaros e nós



por João Tiago Dias Junior

O livro “Il Deserto dei Tartari” foi escrito por Dino Buzzati em 1940. Buzzati (San Pellegrino di Belluno, 16 de outubro, 1906 — Milão, 28 de janeiro, 1972) foi um escritor italiano que dentre outras coisas serviu ao exército da Itália antes da Segunda Guerra Mundial e trabalhou durante muito tempo no Corriere della Sera,jornal diário que é impresso em Milão.

A obra conta a história de Geovanni Drogo um sujeito que é nomeado oficial aos 20 anos de idade e acaba sendo lotado no Forte Bastiani que é localizado em uma região fronteiriça e de pouca importância estratégica à margem do deserto denominado “Deserto dos Tártaros”.  A edição que eu tenho é de 2003 da Editora Nova Fronteira. Li por indicação do meu caro amigo Luís Edvar Cavalcante Filho, que por sinal, só recomenda boas leituras.

Eis o Resumo:



Drogo chega ao forte aos 20 anos com a patente de tenente e vai conhecendo os militares do forte e as visões particulares de cada um deles a respeito do serviço e do cotidiano, esperando por uma batalha que nunca acontece. A maioria dos militares afirma que o serviço no forte é apenas provisório, embora muitos deles estejam com mais de 15 anos de serviço no mesmo local e outros acabem morrendo com o tempo dentro dos limites dos muros. Drogo é alertado “ o senhor, tenente, que é novo, que mal acabou de chegar,tenha cuidado enquanto é tempo...vá embora quando puder para não pegar a mania deles.” [1]É dito também que certo coronel pôs na cabeça que “o forte é importantíssimo, muito mais importante que todos os demais, e que na cidade não entendem nada.” Outros ali estavam esperando que alguma coisa de diferente ainda deveria acontecer, alguma coisa de realmente digno. [2]

Drogo, que ficaria apenas 4 meses no Forte Bastiani , vai perdendo a vontade de fazer alguma coisa para deixar a fortificação.O jovem oficial decide permanecer por acreditar fazer algo nobre e orgulhar-se disso , descobrindo-se melhor do que supunha. “Só muitos meses mais tarde, olhando para trás, reconhecerá as míseras coisas que o ligam ao forte.”[3]

Rapidamente passam-se 2 anos e a existência de Drogo havia ficado estática. Atividades meramente rotineiras [4] algumas pessoas morrem, alguns acidentes ocorrem e os acontecimentos vão sendo diluídos pelo tempo. Um dia, no começo da manhã, na planície setentrional “algo se aproximava vindo do norte como nunca acontecera antes, pelo menos ninguém tinha lembrança disso. [5]” Aparentemente seriam fileiras de soldados. Seriam os tártaros tão esperados? O forte inteiro se preparou para a guerra. Soldados comuns, corneteiros, oficiais...entretanto , o Estado maior comunicaria que seriam na verdade “destacamentos do Estado do norte, encarregados de demarcar as linhas de fronteira como havia sido feito há muitos anos.[6]

Decorridos 4 anos,em conversa com Drogo, um major o alerta para que ele volte à cidade enquanto é tempo porque nem todos nascem para heróis e porque já avistara que outros como ele foram adquirindo os hábitos do lugar “ e não foram mais capazes de se mexer , ficando aprisionados dentro do forte, velhos aos trinta anos, realmente.”... “Todos teimamos em esperar. Mas é um absurdo, basta refletir um pouco.”...”Dessas bandas nunca mais poderá vir uma guerra, Agora então, depois da última experiência,quem você quer que acredite nisso seriamente?”.[7]

Um dia, Geovanni Drogo resolve sair do forte e volta às origens. Estranhou o mundo fora da fortificação. Não reconheceu direito os parentes. Não teve a mesma relação com os amigos que lhe pareceram um tanto indiferentes e ocupados. Estranhou a própria casa “como se o afeto de outrora tivesse sido embaciado, como se entre ambos o tempo e a distância tivessem lentamente estendido um véu de separação.”[8] Drogo até gostava daquele mundo fora do Forte Bastiani “mas todas as coisas que alimentavam sua vida de antigamente tinham se tornado remotas;um mundo alheio, em que seu lugar fora facilmente ocupado. E agora já o examinava de fora, ainda que com saudade, reentrar nele o deixaria constrangido, caras novas, hábitos diferentes, novas brincadeiras, novos modos de falar, aos quais não estava acostumado. Aquela não era mais a sua vida.”[9]

Drogo até tentou um posto melhor fora do forte, mas esbarrou em questões políticas e burocráticas além da sonegação de informações pelos colegas de trabalho que desejariam pegar postos melhores em detrimento dele. Acabou tendo que regressar sendo lotado no mesmo posto fronteiriço de antes, embora tenha sido um pouco indiferente para ele.Com o passar do tempo, o forte perdera importância e só era mantido apenas para não deixar a fronteira desguarnecida. Não poderia aparecer nada de importante por aquelas paragens, no máximo caravanas de nômades. O jovem pensava que os companheiros que com o tempo deixaram o forte “tinham sido mais espertos” e não descartava a hipótese de que “talvez eles fossem realmente melhores” [10] Quando retornou, deparou-se com algumas mudanças que animou a alguns por conta da eminente oportunidade de transferência através de contatos com pessoas influentes. Ficava claro que “as ilusões guerreiras de outrora não passavam de pretextos para darem sentido à vida.”. Havia alguns também, militares mais velhos que assistiam indiferentes a notícia de redução de efetivo e que não se interessavam mais pela mudança de ares.[11] Em conversa com um oficial mais graduado, Drogo ouve que as conversas sobre os tártaros seriam esperanças plantadas por alguém no passado e que não teriam tanta credibilidade para quem estava no serviço desde longa data.[12]

Depois da redução de efetivo apareceu novamente no horizonte, uns 2 anos depois da última visão, imagens de movimentação para as quais o efetivo residual não deu muita importância.À noite, com o uso de luneta , uma luz poderia ser notada no horizonte.Poucos dias depois a luz desaparecera e não se via mais movimentação alguma. As movimentações retornariam depois de 4 dias de ausência.Um oficial conjecturava com Drogo se não se trataria da construção de uma estrada com finalidades militares de um eventual inimigo. O inverno cairia abruptamente em neve e os companheiros faziam seus serviços de sempre sem entusiasmo. As luzes longíncuas se apagaram sugerindo uma “eventual interrupção de trabalhos[13]. O comando do forte proibiu as conversas a respeito de atividades fronteiriças suspeitas e proibiu o uso de equipamentos óticos que permitissem “erros e falsas interpretações” do que acontece nos pontos remotos. Tais aparelhos ou instrumentos deveriam ser confiscados e guardados sob custódia do comando. [14] O oficial (Simeoni) amigo de Giovanni entregou a luneta aos superiores e não quis mais tocar no assunto das supostas operações no deserto, talvez querendo evitar represálias. Pararam de conversar sobre o assunto e Drogo se deu conta de que "Os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes. Se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte nem vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso que causa a solidão da vida" [15]. Tempos depois , quando chegou uma estação mais propícia, a luz reapareceu e a cada noite parecia mais próxima. Alguns até falavam de guerras em termos vagos.Então, eis que se passaram 15anos , os estrangeiros estariam bem próximos e o efetivo ainda mais reduzido. Num dia de setembro, depois de 30 de licença dos quais tirou apenas 20, Drogo retorna ao Forte Bastiani pois “a cidade se lhe tornou completamente estranha, os velhos amigos tomaram seu caminho, ocupam posições importantes e o cumprimentam apressadamente como a um oficial qualquer. Até sua casa, de que Drogo no entanto continua a gostar, enche-lhe a alma, quando ele volta para lá, de um sofrimento difícil de explicar. A casa está quase sempre vazia, o quarto de sua mãe está vazio para sempre, os irmãos estão constantemente ausentes, um se casou e mora numa cidade diferente, o outro continua viajando, na sala não há mais sinais de vida familiar, as vozes ecoam com exagero e abrir as janelas para o sol não é suficiente.” [16] Giovanni carrega a ilusão de que o melhor ainda está para começar.Entretanto, Drogo não pula mais os degraus de 2 em 2 nem cavalga mais na esplanada atrás do forte (não porque não dá conta mas sim porque não tem mais vontade).Ele prefere ficar cochilando ao sol depois do almoço.[17] Exatamente como em seu primeiro dia, Drogo, agora capitão, subia ao forte mantendo diálogo com um tenente novato que iria se apresentar. Estavam separados pelas peculiaridades geográficas do lugar em caminhos diversos que se fundiriam mais à frente, à medida que se aproximassem do local de destino. Assim como ocorrera com ele num passado distante quando encontrou Ortiz pela primeira vez quando se dirigia para apresentar-se ao forte fronteiriço[18].

Giovanni Drogo até pensava em pedir baixa quando via alguns oficiais antigos em aposentadoria saindo da fortificação, mas tinha uma “obscura certeza de que o bom da vida ainda estava para começar”.
Passam-se os dias e a certa altura, Drogo já tem idade para ser avô: 54 anos e patente de major[20]. A estrada do deserto está abandonada. Nunca mais ninguém voltou. Certa feita, mesmo doente , Giovanni Drogo, agora major, recusava conselhos para que tirasse licença para se tratar. Permanecia no forte a despeito do estado de saúde fazendo pesar sobre os outros a sua “virtuosa perfeição”.Passam-se os dias e o velho alfaiate entra ofegante no quarto de Drogo avisando que finalmente o inimigo apontava no norte, e desta feita, em vez de fileiras , regimentos com canhões e tudo o mais [21] Giovanni Drogo, mesmo tonto e cambaleante, sobe e avista com o auxilio da luneta de Simeoni o inimigo que se avizinha. É avisado que estão mandando da cidade 2 regimentos como reforço.Sem sentidos, esmorece sobre o parapeito da fortificação, amparado pelo colega. Drogo fica de cama e a artilharia inimiga se coloca a postos próximo ao forte. Uma carruagem previamente requisitada por Simeoni havia de ir buscá-lo para que ele se restabelecesse na cidade. “Ele, que jogara fora as melhores coisas da vida para esperar os inimigos, que há mais de trinta anos se alimentara daquela única fé, era enxotado justo agora que finalmente a guerra chegava?”[22] No quarto que Drogo deixaria vazio, caberiam 3 oficiais que chegariam como reforço. Giovanni ficou irritado por julgar que Simeoni queria despachá-lo por conta do quarto e não por cuidado ou amizade. O oficial Simeoni deixa claro que é melhor para todos que ele , naquele estado, partisse.

Os inimigos estão lá fora e Drogo com mais de 50 anos e em péssimo estado físico se veste para ir embora.Os bastiões da fortificação estão com munição preparada. Drogo desce as escadas para subir numa carruagem pomposa, Simeoni manda recado para que ele espere alguns minutos, mas ele resolve partir de imediato. Esperara por mais de 3 décadas, e agora que os estrangeiros chegavam, era mandado embora. “Tudo terminava miseravelmente e não restava nada a dizer”[23] .Partiu acompanhado por 2 soldados que atuavam como cocheiros e acompanhantes. Mais tarde,parou numa estalagem ao caminho com o intuito de passa a noite, viu uma criança dormindo sem preocupações ou remorsos e se imaginou no lugar dela. Tarde da noite é deixado pelos acompanhantes que vão tomar um trago e fica sozinho no quarto que está repleto de escuridão. Em breve deverá surgir a lua e Drogo se prepara para a morte. Pela janela, olha para sua última porção de estrelas. Em seguida, no escuro, embora ninguém o veja, sorri.[246]



Buzzati, Dino

O Deserto dos Tártaros

Editora Nova Fronteira.

Rio de Janeiro. 3ª Edição. 2003.



[1]Cap. VII , pg. 55 ;[2] Cap. VII, pg. 58 ;[3] Cap. X, pg 73 ;

[4] Cap. XI, pg 82 ;[5] Cap. XIV, pg. 110; [6] Cap. XIV, pg. 122 ;

[7 ] Cap. XVI ,pg.146/147; [8] Cap. XVIII, pg. 159 ;[9] Cap. XIX, pg. 167.;

[10] Cap. XXI, pg. 175 ; [11] Cap. XXI, pg. 177;[12] Cap. XXI , Pag.181 ;

[13] Cap.XXII, pag.195; [14] Cap. XXIII, pag.197 [15] Cap.XXIV, pag. 203;

[16] Cap. XXIV, pag.208; [17] Cap. XXIV, pag. 209;[18] Cap. XXV , pag. 211;

[19] Cap. XXVI, pag. 217;[20] Cap. XXVII, pag. 219; [21] Cap. XXVII, pag. 224;

[22] Cap. XXVIII, pag 231; [23] Cap. XXIX ,pag. 237; [24] Cap. XXX, pag.246;

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