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A voz do Basilisco não é tão feia quanto parece.

domingo, 9 de dezembro de 2012

PALAVRAS IMORTAIS DE ORTEGA Y GASSET SOBRE A EDUCAÇÃO E PERGUNTAS INCÔMODAS QUE QUEREM RESPOSTAS

 
 
ORTEGA Y GASSET E AS MUDANÇAS PEDAGÓGICAS no DF.
Ortega y Gasset foi um filósofo espanhol com trabalhos importantes e interessantes na área de Educação. O Ministério da Educação/FNDE/Fundação Joaquim Nabuco enviou às escolas em 2010 a Coleção Educadores, que reserva um Volume para aspectos da Obra do filósofo espanhol na área educacional. Quem assina o prefácio é o ex-ministro Fernando Haddad.
1-    O professor tem conhecimento e se importa com o contexto pessoal do aluno?
No tomo XIX das Obras Completas, página 13, Ortega y Gasset afirma “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo eu”.  Juan Guillermo Droguett pergunta a respeito em seu “Ortega y Gasset, Uma crítica da Razão Pedagógica” se o professor conhece a circunstância interna e externa do aluno que ele educa. “Os professores encarregados de preparar para a vida futura não se conscientizam das coisas a não ser quando passam por elas.”“ Ao entrar o pedagogo em relação educativa com seu aluno, encontra-se frente a um tecido social, não frente a um indivíduo”.
2-    Os professores julgam  importante fazer a adaptação curricular de acordo com a necessidade e desenvolvimento do seu aluno ou de forma que facilite os estudos? 
No tomo IV das Obras completas Ortega y Gasset diz algumas coisas interessantes:
Nas páginas 331 e 332 ele menciona a necessidade de se adaptar os conteúdos do ensino ao aluno do Ensino Médio, para ensinar só aquilo que se pode aprender, sendo isso um postulado da técnica pedagógica. E outra coisa: “a técnica DOCENTE só é necessária quando os conteúdos a transmitir ultrapassam as possibilidades de aprender, e hoje, mais do que nunca, o excesso da riqueza tecnológica e a acessibilidade dos textos ameaça a possibilidade de absorção do ser humano.” E lembrem que Ortega y Gasset faleceu em 1955, quando nem havia a internet. Quando trata do Ensino nas Universidades à época, o autor ainda fala que a função principal não se limita à formação de pesquisadores, cientistas e membros das profissões intelectuais sendo a função principal socializar, civilizar os cidadãos de uma sociedade democrática, introduzindo-os no essencial da Cultura.
Alguns professores falam: “Ora, os alunos não querem nada!”
3-    Existe algum mecanismo de fazer com que os alunos se interessem por assuntos que de maneira nenhuma lhe parecem interessantes?
A situação do estudante ante a Ciência (aos conteúdos) é oposta aposição de quem traz as competências à tona para ele: Em seu trabalho “SOBRE O ESTUDAR E O ESTUDANTE” disponível em pdf na internet, o filósofo espanhol afirma:
“Se a ciência não estivesse já aí, o bom estudante não sentiria qualquer necessidade dela, quer dizer, não seria estudante. Estudar é para ele uma necessidade externa, que lhe é imposta. Portanto, ao colocar o homem na situação de estudante, este é obrigado a fazer algo de falso, a fingir uma necessidade que não sente.Várias objeções são aqui possíveis. Dir-se-á, por exemplo, que há estudantes que sentem profundamente a necessidade de resolver determinados problemas constitutivos desta ou daquela ciência. É verdade que os há. Mas é impróprio designá-los por estudantes. Impróprio e injustificado. Trata-se de casos excepcionais, criaturas que, mesmo que não existissem estudos ou ciências, inventá-los-iam por si mesmos, sozinhos, melhor ou pior; criaturas que, por uma inexorável vocação, dedicariam todo o seu esforço a investigar. Mas, e os outros? E a imensa maioria normal? São estes e não aqueles que realizam o verdadeiro sentido — não utópico — das palavras  estudar” e “estudante”. São estes que é injusto não reconhecer como os verdadeiros estudantes. É pois em relação a estes que se deve colocar o problema de saber o que é estudar enquanto forma e tipo do fazer humano.(...)  É um imperativo do nosso tempo—cujas graves razões exporei um dia, neste curso — sentirmo-nos obrigados a pensar as coisas no seu ser desnudado, efetivo e dramático. É essa a única maneira de nos enfrentarmos verdadeiramente com elas. Seria encantador que, ser estudante, significasse sentir uma vivíssima urgência por este ou por aquele saber. Mas, a verdade, é estritamente o contrário: ser estudante é ver-se alguém obrigado a interessar-se diretamente por aquilo que não o interessa ou que, em última”.
No Tomo I , pag 508: “Pela Educação, obtemos de um indivíduo imperfeito, um ser humano mais aperfeiçoado.” 
4-    Qual é o tipo de escola que queremos?A escola deve  preocupar-se apenas com os alunos que se interessam pelo processo educativo, apenas com os que não se interessam ou com cada um de maneira diferenciada ou particular? 
E no caso da Resistência Prévia às implementações pedagógicas?   “A velha democracia viveu temperada por uma abundante dose de respeito para com as minorias dirigentes e de entusiasmo pela lei. Ao servir estes princípios, o indivíduo vê-se obrigado a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil. Democracia e lei, convivência legal eram sinônimos.” Ortega y Gasset dizia que àquela época assistíamos ao triunfo de  um modelo de “hiperdemocracia” em que a massa atuaria diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.” O autor ainda constata que  quando se inaugurou a democracia e o sufrágio universal como forma geral de governo no mundo, as massas não decidiam. O papel das massas consistia em aderir à decisão de uma ou outra minoria aceitando um projeto de decisão de uma minoria dirigente. A minoria dirigente que seria escolhida democraticamente.
 
5-    O professor ou gestor de escola que exige maior poder de decisão e participação nas medidas educacionais tomadas pelo estado abre mão do seu poder de decisão quando confrontado por pais e alunos? Eles dão aos pais e alunos a liberdade e o prisma de direitos de decidir sobre o processo  da forma que eles pedem aos governantes?
 
Há um problema que reflete bem a situação do Distrito Federal: “a declaração das minorias dirigentes representa o avesso da rebelião das massas.” O que Droguett avaliou em sua publicação: “Quando certas minorias dirigentes deixam de cumprir com o seu papel histórico, quando se limitam a exercer o poder por meio de mandatos, e não de exemplos, começa a perder sua função própria que é a de fundamentar o mando como exemplo.”
 
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

"Vivemos no melhor dos tempos".

A avaliação da época em que nos encontramos é um tema que muito me agrada. Encontrei essa entrevista interessante. Vale a pena lê-la.

Steven Pinker: Vivemos no melhor dos tempos


Em entrevista para a jornalista Gabriela Carelli, de VEJA desta semana, o psicólogo Steven Pinker conta: “Vivemos no melhor dos tempos”. Confiram:

O canadense Steven Pinker, de 57 anos, professor de psicologia da universidade americana de Harvard, é autor de treze livros que fizeram dele uma celebridade intelectual planetária. Seu sucesso se deu sem que ele fosse forçado a banalizar suas concepções científicas. Em seu novo livro, The Better Angels of Our Nature – Why Violence Has Declined (Os Anjos Bons Dentro de Nós – Por que a Violência Declinou), Pinker demonstra com estatísticas que a humanidade passa por seu mais pacífico período histórico. Nessa visão, o terrorismo islâmico, os massacres em escolas e locais públicos e a criminalidade urbana empalidecem diante da brutalidade sem limites das eras anteriores. Pinker diz que o anjo civilizatório, enfim, aprisionou a maldade inata do homem.

Por que os ataques de 11 de setembro de 2001 ou o massacre de quase uma centena de inocentes na Noruega em julho passado não desmentem sua tese?
As estatísticas são imprescindíveis para justificar qualquer argumento científico. Elas são um método válido e seguro de avaliação. É o que torna a minha tese legítima. Nenhum cientista sério poderia afirmar que vivemos o período mais pacífico da humanidade só com base em impressões que ele próprio ou os outros têm sobre determinados eventos. A mente humana é vulnerável a enganos e ilusões. Nossas impressões sobre quão violento e cruel é um determinado episódio devem-se à nossa memória, que sempre é contaminada pelas emoções que sentimos quando presenciamos ou vivenciamos algo. Hoje em dia, grande parte da elite intelectual, principalmente na sociologia, psicologia e antropologia, menospreza a estatística e o raciocínio lógico. Esse preconceito só contribui para a proliferação de uma pseudociência e suas análises mal fundamentadas. O fato é que, desde 1945, o número de mortos em guerras ou de vítimas de assassinatos e estupros é o menor dos últimos 5 000 anos, quando se leva em conta a relação com o total da população.

Para quem tem um parente morto de forma violenta, as estatísticas não valem muita coisa, certo?
Desde o lançamento do livro, fui surpreendido por reações inesperadas. Algumas pessoas duvidaram do meu trabalho, outras puseram em xeque minha idoneidade. Houve quem se enfureceu e considerou minha tese obscena. Muitos acadêmicos se revoltaram. Por isso, é sempre bom esclarecer alguns pontos. Em nenhum momento eu disse que a violência desapareceu. Quando esta entrevista for publicada, tragédias e crimes estarão na primeira página dos jornais. Também não quis minimizar eventos trágicos recentes, como a guerra no Iraque ou o massacre em Darfur, nem as grandes guerras ou as atrocidades cometidas por ditadores e genocidas. Tudo isso é condenável e doloroso. Mas não invalida a constatação de que o mundo já foi muito pior do que é agora. Grandes pensadores teorizaram sobre como teria sido a vida dos homens no estado natural antes do advento das leis e das formas mais rudimentares de governo. Com ajuda da alta tecnologia podemos agora não apenas teorizar sobre o grau de barbárie da pré-história, mas estimar com precisão o número altíssimo de pessoas que morriam massacradas por inimigos. Nada autoriza a ideia tão disseminada de que o passado humano foi bucólico, pastoril e pacífico. Há poucos séculos matavam-se pessoas com base em superstições avalizadas pela hierarquia religiosa, a escravidão era oficial e apenas discordar da opinião vigente podia equivaler a uma sentença de morte.

Alguns cientistas acreditam que o declínio da violência se deve a uma mudança na própria natureza humana. O senhor acha isso possível?
É improvável. A reação violenta foi um traço incorporado à humanidade durante o processo evolutivo. Ser violento foi determinante para a sobrevivência da espécie na defesa contra as feras, na caça e, claro, na disputa por uma mulher no acasalamento. Até os 2 anos as crianças são extremamente violentas. Só não matam umas às outras porque não damos a elas revólveres ou facas e porque estamos presentes para ensiná-las a se comportar. Elas se valem da violência para disputar espaço com os irmãos e a atenção dos pais. As mães ficam furiosas quando leem isso, mas a neurociência comprovou que as pessoas aprendem a ser menos violentas com a maturidade. Isso coincide com o desenvolvimento do lobo frontal, a região do cérebro responsável pela linguagem, pelo domínio motor, mas principalmente pela personalidade, a consciência de si mesmo e da existência do outro. O prazer com a violência é uma realidade. As pessoas são coibidas de praticá-la nos moldes da pré-história ou da Idade Média, mas dão vazão a ela em games, assistindo a filmes de Mel Gibson ou a lutas de vale-tudo. As pesquisas mostram que de 70% a 90% dos homens já se imaginaram matando alguém. Entre as mulheres esse número varia de 40% a 60%.

Por que então o mundo se tornou mais pacífico?
Meu livro mostra que uma sucessão de eventos históricos fez com que o lado bom do homem sobressaísse ao violento e animalesco. Todos temos demônios e anjos dentro de nós. O processo civilizatório, com o advento do estado, a institucionalização da Justiça, a difusão e o aprimoramento da cultura, permitiu que os anjos derrotassem os demônios. Foi o que livrou a espécie humana da barbárie. No século XVII, o filósofo Thomas Hobbes enunciou no seu Leviatã que, na ausência de regras de convivência sob leis e imposições da sociedade, a vida humana era “solitária, miserável, repugnante, brutal e curta”.

A constatação de que o “estado natural” do homem é a violência encerra a discussão sobre o que influi mais no comportamento humano, a natureza ou o aprendizado?
Estamos longe de pôr um ponto final na questão sobre o que pesa mais, a genética ou o que aprendemos no decorrer da vida. Mas, no estado natural, quem tem razão é Hobbes, e não o suíço Jean-Jacques Rousseau, cujo argumento era que o ser humano nasce bom e é, posteriormente, corrompido pela sociedade. Durante toda a minha carreira, tentei derrubar essa falácia de que a mente é uma tábula rasa e de que qualquer traço humano é fruto do meio em que ele vive ou é moldado pelas instituições sociais.

O senhor despertou fúria ao afirmar que o Holocausto não foi o primeiro genocídio da história…
Eu sou judeu também e sou sensível a essa questão. O Holocausto tem características únicas, terríveis, que o tornam um ato de horror incomparável. Os nazistas estavam tão empenhados em matar os judeus e em varrê-los do mapa que os buscavam a milhares de quilômetros de distância para ser mortos em câmaras de gás. O extermínio dos judeus não foi o primeiro genocídio da história, mas foi o mais cruel. Há um outro ponto em relação à II Guerra. Sem dúvida, foi o evento no qual mais se mataram pessoas desde o surgimento da espécie humana. Mas não está claro se, em porcentagem de população, morreram naquela guerra mais pessoas do que em outras.

A que se deve a emergência do nazismo na Europa na plenitude da civilização do século XX?
O declínio da violência através dos séculos deu-se de forma cíclica. Aos picos de violência, como as grandes guerras do século passado, sempre se seguiu o retorno ao estado pacífico. As estatísticas comprovam que, com o passar dos séculos, aos picos de violência se sucedem períodos cada vez mais duradouros de paz. No caso da Alemanha, é preciso observar que, por baixo da fina camada de verniz civilizatório da República de Weimar, o curto período democrático depois da I Guerra, fervia o nacionalismo retrógrado baseado na ideia da superioridade racial teutônica que descambaria no nazismo. Foi algo tão forte que apagou a noção do bem e do mal. Muitos dos carrascos nazistas se consideravam bons soldados e cidadãos que apenas cumpriam seu dever.

Em que situações as pessoas se tornam cegas a ponto de compactuar com atrocidades como as cometidas pelos nazistas?
A filósofa alemã Hannah Arendt foi uma das primeiras a tentar explicar esse fenômeno, que ela definiu como “a banalização do mal”. Em seu trabalho, de 1963, ela defendeu a tese de que as maiores atrocidades da história não foram de responsabilidade de sociopatas ou fanáticos, mas de pessoas comuns que se deixaram levar por líderes carismáticos. Essas pessoas cometeram as maiores atrocidades sem se dar conta do grau de maldade de suas ações. Hoje as ideologias fazem o papel dos líderes carismáticos nesse processo de arrastar pessoas normais para a prática de atos insanos.

Ainda fica de pé a ideia de que o bem e o mal são definidos culturalmente?
Em geral, as pessoas entendem que o mal está em produzir sofrimento nos outros por meio de atos premeditados e sem uma razão muito forte. O mais interessante, no entanto, é que a maioria dos indivíduos que cometem atos perversos não acha que agiu com maldade. O cérebro humano evoluiu de forma a sempre advogar a favor de si próprio. Somos os mais devotos defensores de nós mesmos. A primeira reação ao sermos confrontados com o fato de termos feito algo ruim é tentar nos convencer e aos outros de que aquilo não foi tão grave. A segunda é transferir a responsabilidade. Nosso cérebro quer sempre nos fazer acreditar que se agimos mal foi porque fomos provocados.

O neurocientista americano Sam Harris defende a ideia de que existe uma “ciência da moral”, ou seja, que o bem e o mal podem ser definidos com rigor metodológico. O senhor concorda?
Entendo o argumento de Sam Harris. A suposição de Harris se baseia no fato de que a moral é tradicionalmente definida pela religião ou pela filosofia. Nessas duas cátedras, as definições de bem e de mal estão dissociadas de algo imprescindível, a questão do sofrimento humano. No conceito de ciência da moralidade, sempre que há sofrimento o mal está presente. Quando há felicidade, o bem prevaleceu. De fato, se tomamos o fenômeno por essas características de apuração simples, é possível obter uma resposta objetiva e mais científica do que sejam o bem e o mal.

Na sua visão, quais foram as razões que levaram ao fracasso os sistemas políticos movidos pela ideia de estabelecer a igualdade entre os homens?
O comunismo e outros governos fundados sobre utopias encorajaram as pessoas a ser violentas quando as convocaram para lutar por um sonho. Pelo sonho vale tudo. Aqueles sistemas políticos levaram as pessoas a acreditar que fora da utopia não existe o bem. Por essa razão, tanto o comunismo como o nazismo e o fascismo degeneraram no assassinato coletivo de enormes proporções. A lição aqui é que a violência inata do homem está sempre à espreita e que os governos democráticos são a forma mais eficaz de impedir que ela se manifeste na sua pior forma.

Como o senhor avalia o impacto dos avanços tecnológicos e da internet na violência?
A suposição de que o maior acesso a armas mais potentes aumenta a violência é equivocada. Ao ler notícias como a do massacre na Noruega, muita gente pode ter a impressão de que a tecnologia contribuiu para que um só indivíduo matasse quase uma centena de pessoas. Episódios desse tipo distorcem a percepção da realidade. Depois de Hiroshima e Nagasaki, nunca mais um país ousou acionar seu arsenal nuclear – não por questões técnicas, mas pela imposição moral.

O senhor é um otimista incurável?
Sou pessimista e otimista ao mesmo tempo. Acredito que a violência deva aumentar no futuro próximo. A história mostra que mudanças culturais e sociais, crises econômicas, novas ideologias e tecnologias podem incitar guerras, conflitos, rebeliões e enfurecer determinados grupos sociais. Mas sou otimista em relação ao fortalecimento dos períodos de paz depois de surtos de violência extrema. Os períodos de paz tendem a ser cada vez mais longos e duradouros.


* Entrevista retirada de http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/steven-pinker-vivemos-no-melhor-dos-tempos/

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A “Maravilhosa Escolha “ dos Livros do PAS/UnB.



Hoje pela manhã (29-11)  estávamos comentando na sala dos professores: colocar um aluno de 1º ano de Ensino Médio para ler “Cartas Chilenas” e outros livros indicados para o Programa de Avaliação Seriada da UnB é uma violência e um incentivo à aversão à leitura. Os alunos que lerão as obras constantes da listagem certamente serão os poucos dedicadíssimos além da média. Bem que o CESPE poderia colocar um ou outro exemplar de livros “instrutivos que fossem divertidos” para que quem ainda não goste de ler fosse tomando gosto pela leitura. O engraçado é que quando cheguei em casa reli um pouco do “Humano , demasiado humano” do Friedrich Nietzsche que eu tenho comigo desde 2001 e   que não está na lista do PAS. Algum “centauro invertido” misturado com Fanfarrão Minésio preferiu colocar “Crepúsculo dos Ídolos” na listagem de leitura , como se os alunos já houvessem lido as obras dos “ídolos” de que o livro trata ou ouvido música clássica de Wagner. O alemão dá uma de morde e assopra, mas é interessante o trecho do  “Humano, Demasiado Humano” , onde precisamente no aforismo 266 , Nietzsche fala:

Efeito Subestimado do ensino ginasial – Geralmente não enxergamos o valor do ginásio nas coisas que nele aprendemos de fato e que dele sempre conservamos, mas naquelas que são ensinadas e que o aluno assimila a contragosto para delas se livrar o mais rapidamente que possa. A leitura dos clássicos – toda pessoa educada há de convir – é, do modo como se realiza em toda parte, um procedimento monstruoso: feita para jovens que de modo algum estão maduros para ela, e por professores que com toda a palavra, às vezes com a própria figura, já cobrem de mofo qualquer bom autor. Mas nisso está o valor que normalmente não é reconhecido – esses professores falam a língua abstrata da cultura superior, pesada e difícil de compreender, mas uma elevada ginástica da mente; em sua linguagem aparecem continuamente conceitos, termos especiais, métodos, alusões que os jovens quase nunca ouvem na conversa com familiares ou na rua. Se os jovens apenas ouvirem, seu intelecto será involuntariamente preparado para um modo de ver científico. Não é possível que alguém saia dessa disciplina totalmente intocado pela abstração, como puro filho da natureza.”
NIETZSCHE, Humano, Demasiado Humano.

Estão vendo? Nietzsche faz parte do nosso cotidiano e a gente nem se dá conta.

Educação para a Liberdade



Dizem os filósofos que liberdade é uma espécie de “independência”. Descartes diz que é livre quem compreende as alternativas para a escolha, Spinoza sugere que é livre quem age de acordo com a própria natureza e Nietzsche diz que é livre o homem que é um criador de novos valores. Muitos outros filósofos têm outras definições para o que seja a Liberdade.
 O sujeito que goza plenamente de liberdade é dotado de uma espontaneidade racional, uma autonomia característica de quem é livre. Melhor falando: seria uma pessoa que pensa com a própria cabeça e não uma pessoa que apenas repete aquilo que o mestre mandou. Dizem que quem se submete ou serve involuntariamente a algo ou a alguém não é uma pessoa livre, afinal de contas a liberdade não se vincularia a algo externo à própria racionalidade de quem tem os atributos por ela fornecidos.
Existe um vício indecente nas grandes escolas de maneira que  a Educação seja conduzida de tal forma que o Ensino seja orientado como se todos estivessem predestinados a serem médicos e engenheiros. A própria Educação encontra-se engessada como se os jovens fossem obrigados a já definir no Ensino Médio aquilo que eles serão para o resto da vida.  Dentro do ambiente escolar não se discute de maneira objetiva e satisfatória fatores tais como reprovação, evasão e adaptação de conteúdos.E quando se discute, não se aponta uma solução ou mecanismos de melhoramento.Uma Educação nesses termos com certeza não atende às prerrogativas do que seria uma Educação para a Liberdade. Contrariando a prática cotidiana, dizem os educadores que a Educação deve libertar e abrir o número de possibilidades e não restringi-las. Os jovens devem ser ensinados a construírem seu próprio caminho com uma autonomia racional. “Estudar é preciso! Aprender para ser livre!” Diferenciar verdade de mito, Ciência de Crendice. Transformar a sociedade, produzir riqueza. Reduzir a desigualdade. Eis o novo mantra: Tornar-se bem sucedido no individual para que isso se manifeste no coletivo. A educação que liberta é uma educação que ensina a duvidar: nenhum caminho é seguro, nenhuma verdade é absoluta. Quem pensa com a própria cabeça, mesmo que pense errado, não acredita em tudo o que se diz, seja na escola ou fora dela. A escola muitas vezes, em vez de educar, domestica. Como se estivesse fazendo um grande favor em tornar o aluno um “animal melhor”. Um animal domesticado vai por onde seu dono o leva. Um animal da floresta vai atrás da própria comida. Na ânsia de tornarem os alunos discípulos “melhores”, muitos mestres valorizam apenas as competências que eles mesmos colocam no prato, desvalorizando as outras vertentes de aprendizado que culminam em outros conteúdos significativos.

 A educação deve fazer com que o  aprendiz olhe para trás, compreenda a justificação histórica das coisas, entenda o porquê de se encontrar no estágio em que se encontra, no estado em que está. Se por acaso o processo educativo o fizer descer um degrau , que seja para pegar impulso para saltar 2. Deve fazê-lo mover-se para frente, sair do estado de letargia. Um estudante que não sabe onde ele mesmo e seus semelhantes estavam e onde estão não poderá determinar para onde ele mesmo vai ou antever para onde os segundos vão. Quem não determina para onde vai e não observa previamente para onde os outros vão não é protagonista da própria história. O problema maior é que essa liberdade, que deve ser um produto da Educação, não é automática e muito menos absoluta. Quem de nós sabe exatamente para onde vai ou relembra perfeitamente os caminhos por onde pisou? Até que ponto se ensina nas escolas uma espécie de texto instrutivo que às vezes quem o ensina jamais colocou a receita no forno? Por acaso são os professores livres para ensinarem os alunos a também serem livres? Não sendo livres, por acaso seriam escravos?Até que ponto o professor é Senhor no processo educativo e até que ponto é lacaio? O que um escravo aprende quando é ensinado por outro escravo? Ele aprende a ser livre ou aprende a ser um escravo melhor? Haverá um pouco de escravo e um pouco de liberto em cada um que ensina e em cada um que aprende? Seria a  liberdade  uma construção que não acaba e é sempre exercida com diversas variantes de graduação?
Alguém diria em uma parábola biológica que a   Liberdade tem tentáculos, pseudópodos e  protuberâncias. Para que servem tentáculos? Os polvos não os usam para agarrar? Com os tentáculos eles  não se defendem? Com esses apêndices não segmentados eles não tateiam o ambiente em busca do que lhes é útil?  Por acaso não se alimentam usando os tentáculos? E os tentáculos da água-viva? Seriam eles inofensivos? Não haveria neles cnidoblastos com substâncias urticantes que paralisariam pequenas presas? Dessa maneira, seria por acaso a liberdade inofensiva?  Poderia um cnidócito matar um Dragão de Komodo? E os pseudópodos? Para que as amebas os utilizam? Não seriam essas extensões fluidas de citoplasma utilizadas para englobar partículas para que sejam digeridas? E por acaso digerem tudo? Uma ameba consegue digerir partículas de sílica? Uma liberdade pode destruir uma verdade cortante? E o que ocorre quando uma liberdade individual se encontra com outra liberdade individual? Por acaso elas se acariciam mutuamente e deslizam uma sobre a outra como se fossem lisas e esféricas ou se emaranham e se prendem através de  protuberâncias que provocam atrito e conflitos?  Não seria a “disciplina coletiva” uma espécie de lubrificante que diminui o atrito de uma liberdade com outra liberdade? Essa disciplina coletiva se aplicaria a quem aprende ou também a quem ensina?
Podemos usar um pressuposto:" não existe liberdade absoluta". A liberdade deve estar condicionada a certas regras mínimas. A Educação que liberta ensina a fazer tudo  que se quer? O querer é voluntário ou surge de algo que  não entendemos? Nós queremos porque queremos querer ou esse querer é involuntário? Se o querer é fruto de uma vontade que está fora da razão da própria pessoa, podemos afirmar com segurança: aquele que faz tudo aquilo que quer não é uma pessoa livre; é na verdade um escravo de uma vontade que ele não domina, mas que por ela é dominado. Uma Educação para a Liberdade é aquela que permite que uma liberdade individual não impeça a existência de outra liberdade individual. O Educar para a Liberdade atende e sintetiza os pressupostos dos 3 filósofos citados: dá ao aluno conhecimento das alternativas para as escolhas e não a escolha pronta, assim como lhe possibilita a compreensão de sua própria natureza para que isso se comunique com os valores que serão gerados a partir da sua própria existência e não restritamente  com os valores  esperados de uma sociedade domesticada.

domingo, 25 de março de 2012

Metanoia e Terapia pela Prática Filosófica





 
JT
       A palavra Metanóia (em grego μετανοεῖν) significa  “transformação de comportamento ou de carácter, mudança de pensar e sentir, no caminho da perfeição, conversão interior”. A transliteração metanoein relaciona-se, por derivação,a  “mudar de idéia ou transformar o próprio pensamento”. A palavra aparece, por exemplo, em Atos dos Apóstolos 17:30 e 26:20. Com o sentido de arrepender-se. Examinando as Escrituras Gregas Cristãs (Novo Testamento) através de uma Bíblia em Grego (pode ser a versão online) observamos que em Língua Portuguesa  o trecho em grego:

 tous men oun chronous tês agnoias uperidôn o theos ta nun paraggellei tois anthrôpois a=pantas tsb=pasin pantachou metanoein”
 
...É traduzido na versão Almeida (nossa versão bíblica mais usual) como: 

Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam.” 

A derivação metanoeite (que em sentido primordial significaria mudar de vida)  também aparece várias vezes nos textos cristãos como em Mateus 4:17 e Marcos 1:15, traduzidos sempre em Língua Portuguesa como “Arrependei-vos” e não simplesmente como “mudai de vida”. Arrepender-se de alguma coisa de maneira absoluta significa abandonar determinadas práticas optando pela adoção de práticas novas.
       A palavra Terapia  vem do termo grego θεραπεία  que quer dizer  "servir a Deus”. A transliteração Therapeuein pode ser usada com o sentido de “fazer um tratamento ou procedimento que vise a cura” e pode também ser usada com o significado de obedecer as ordens de um mestre e render-lhe culto”. Em Mateus 10:01, no texto transliterado em grego temos:

... kai proskalesamenos tous dôdeka mathêtas autou edôken autois exousian pneumatôn akathartôn ôste ekballein auta kai therapeuein pasan noson kai pasan malakian”.

Na Bíblia em Português o trecho é traduzido como: 

E, chamando a si os seus doze discípulos, deu-lhes autoridade sobre os espíritos imundos, para expulsarem, e para curarem toda sorte de doenças e enfermidades”.

 O mesmo ocorre em Lucas 09:01, Marcos 3;15, assim como em  Mateus 12:10 e Lucas 14:03 fazendo menção em curar aos sábados.O cuidar de si, partindo de ensinamentos particulares de várias doutrinas religiosas do oriente, significaria cuidar de um Deus interior que se manifesta através da própria existência.

       O fundamento primordial do pensamento Socrático relatado por Platão é o gnōthi seauton (em grego) ou nosce te ipsum (em latim) que significa “Conhece-te a ti mesmo”, o que seria um passo primordial para o aprimoramento ou melhoria da própria pessoa na sua relação consigo mesmo e na sua relação com os elementos externos (outras pessoas,com a natureza etc.).Os filósofos que viveram antes de Sócrates , os chamados “Pré-Socráticos” não demonstravam considerável preocupação com os temas mais complexos da filosofia socrática relatada por Platão. Na verdade esses antecessores trabalhavam com temas relacionados aos fenômenos da natureza e aos fundamentos constituintes daquilo que existe, por isso eram chamados de “filósofos da natureza”.
       O gnōthi seauton socrático (conhecer a si) e o epimeleia heautoun (cuidar de si) estariam relacionados de maneira muito objetiva , pois afinal de contas, é compreensível que se cuida melhor daquilo que melhor se conhece. Therapeuein heauton por sua vez, significaria prestar culto a si mesmo ou ser servidor de si tendo zelo por si.

       Platão, inclusive , em seu “Alcebíades” que trata da doutrina socrática do auto-conhecimento, afirmava (como se fosse Sócrates que o dissesse) que os jovens destinados a cuidar de si seriam aqueles que estariam destinados a exercer o poder.E esse cuidar de si seria importante para que eles se preparassem para guiar os subordinados por um caminho adequado através do bom exercício do poder. Por sua vez, esse  exercício adequado só seria conseguido se o jovem trabalhasse o conhecimento de si próprio.Em seguida, Platão diria que qualquer um poderia praticar o cuidado de si tendo como finalidade a melhoria individual de cada um, o que determinaria a melhoria da polis (da cidade) , o que poderíamos relacionar num linguajar moderno como uma melhoria nos padrões de convivência da sociedade. Para isso, o jovem deveria ter acesso à educação diferenciada, fazer parte de movimentos religiosos, ter a capacidade de praticar o lazer  e outras atividades que obviamente, desde aqueles tempos e até hoje são restritas a uma pequena parte de privilegiados.

       Michel Foucault (1926-1984) dizia  :  “A partir da idéia que o indivíduo não nos é dado, acho que há apenas uma conseqüência prática: temos que criar a nós mesmos como uma obra de arte”.Foucault também dizia que “onde há poder, há resistência”. O cuidar de si, a conversão externa ou a mudança de comportamento muitas vezes não acontecem   por causa de  “poderes” internos ou externos que em grande parte não sabemos dar nome por falta de uma reflexão adequada.


       Então podemos perguntar quando e como precisamente começamos a atuar conscientemente nessa espécie de transformação interna buscando a conversão particular de um estado problemático para um estado de maior equilíbrio.A resposta de tal questionamento é um bom ponto de equilíbrio que determina que é necessário que cuidemos de nós mesmos como se estivéssemos prestando culto a um princípio ou uma vontade interior (que se revela através do autoconhecimento) de forma que possamos aproveitar com plenitude cada fase da vida.Para Foucault é necessário que tenhamos uma certa compreensão de que a velhice não é uma fase em que a vida esteja diminuída , inferiorizada mas sim um objetivo a ser atingido como finalidade máxima de um ser que ama a si e que quer viver a existência em plenitude aproveitando os frutos de variedades doces, azedas e amargas naquilo que eles têm de mais edificador.Mais uma vez, a compreensão do que é edificante se manifesta apenas em uma correlação com o autoconhecimento. É necessário encarar a velhice como um princípio norteador para a vida e não como um findar absoluto para a mesma.
       É preciso, portanto, que estejamos dispostos sempre a uma busca por uma metanoeim permanente (transformação de comportamento) realizando uma therapeuei (cura individual e pessoal) que possibilite uma vida plena e feliz, através de um comportamento aberto e construtivo não apoiado em conceitos dogmáticos. Essa busca  já era abordada por Epicuro quase 300 anos antes do Cristianismo para quem a felicidade com quietude da mente e o domínio sobre as emoções era um objetivo que poderia ser conquistado com  a prática filosófica. No pensamento  epicurista não podemos nem devemos evitar a filosofia na juventude ou quando se é idoso, não se deve cansar da prática filosófica pois nunca é muito tarde ou muito cedo para cuidar do intelecto, daquilo que nos anima a compreender a nós mesmos e ao que nos cerca. Para Epicuro, aquele que diz que ainda é cedo, ou que não é mais tempo de filosofar, parece àquele que diz que não é o momento ou não é mais tempo de se sentir feliz. Devemos, então praticar a filosofia na juventude e na velhice, pois dessa forma, as lembranças dos dias passados rejuvenescerão os velhos, e o conhecimento tornará o jovem tão firme, forte , decidido e sereno quanto um velho diante dos tempos que virão.
       Filosofar é uma necessidade.
J.T. Basilisco


Textos para Consulta:
http://www.fafich.ufmg.br/bib/downloads/Carta_sobre_a_felicidade.pdf
http://filoinfo.bem-vindo.net/plotinus/Alcibiades-I
http://www.giuseppebarbaglio.it/articoli/cultoTrento%20_2_.pdf