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domingo, 25 de março de 2012

Metanoia e Terapia pela Prática Filosófica





 
JT
       A palavra Metanóia (em grego μετανοεῖν) significa  “transformação de comportamento ou de carácter, mudança de pensar e sentir, no caminho da perfeição, conversão interior”. A transliteração metanoein relaciona-se, por derivação,a  “mudar de idéia ou transformar o próprio pensamento”. A palavra aparece, por exemplo, em Atos dos Apóstolos 17:30 e 26:20. Com o sentido de arrepender-se. Examinando as Escrituras Gregas Cristãs (Novo Testamento) através de uma Bíblia em Grego (pode ser a versão online) observamos que em Língua Portuguesa  o trecho em grego:

 tous men oun chronous tês agnoias uperidôn o theos ta nun paraggellei tois anthrôpois a=pantas tsb=pasin pantachou metanoein”
 
...É traduzido na versão Almeida (nossa versão bíblica mais usual) como: 

Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam.” 

A derivação metanoeite (que em sentido primordial significaria mudar de vida)  também aparece várias vezes nos textos cristãos como em Mateus 4:17 e Marcos 1:15, traduzidos sempre em Língua Portuguesa como “Arrependei-vos” e não simplesmente como “mudai de vida”. Arrepender-se de alguma coisa de maneira absoluta significa abandonar determinadas práticas optando pela adoção de práticas novas.
       A palavra Terapia  vem do termo grego θεραπεία  que quer dizer  "servir a Deus”. A transliteração Therapeuein pode ser usada com o sentido de “fazer um tratamento ou procedimento que vise a cura” e pode também ser usada com o significado de obedecer as ordens de um mestre e render-lhe culto”. Em Mateus 10:01, no texto transliterado em grego temos:

... kai proskalesamenos tous dôdeka mathêtas autou edôken autois exousian pneumatôn akathartôn ôste ekballein auta kai therapeuein pasan noson kai pasan malakian”.

Na Bíblia em Português o trecho é traduzido como: 

E, chamando a si os seus doze discípulos, deu-lhes autoridade sobre os espíritos imundos, para expulsarem, e para curarem toda sorte de doenças e enfermidades”.

 O mesmo ocorre em Lucas 09:01, Marcos 3;15, assim como em  Mateus 12:10 e Lucas 14:03 fazendo menção em curar aos sábados.O cuidar de si, partindo de ensinamentos particulares de várias doutrinas religiosas do oriente, significaria cuidar de um Deus interior que se manifesta através da própria existência.

       O fundamento primordial do pensamento Socrático relatado por Platão é o gnōthi seauton (em grego) ou nosce te ipsum (em latim) que significa “Conhece-te a ti mesmo”, o que seria um passo primordial para o aprimoramento ou melhoria da própria pessoa na sua relação consigo mesmo e na sua relação com os elementos externos (outras pessoas,com a natureza etc.).Os filósofos que viveram antes de Sócrates , os chamados “Pré-Socráticos” não demonstravam considerável preocupação com os temas mais complexos da filosofia socrática relatada por Platão. Na verdade esses antecessores trabalhavam com temas relacionados aos fenômenos da natureza e aos fundamentos constituintes daquilo que existe, por isso eram chamados de “filósofos da natureza”.
       O gnōthi seauton socrático (conhecer a si) e o epimeleia heautoun (cuidar de si) estariam relacionados de maneira muito objetiva , pois afinal de contas, é compreensível que se cuida melhor daquilo que melhor se conhece. Therapeuein heauton por sua vez, significaria prestar culto a si mesmo ou ser servidor de si tendo zelo por si.

       Platão, inclusive , em seu “Alcebíades” que trata da doutrina socrática do auto-conhecimento, afirmava (como se fosse Sócrates que o dissesse) que os jovens destinados a cuidar de si seriam aqueles que estariam destinados a exercer o poder.E esse cuidar de si seria importante para que eles se preparassem para guiar os subordinados por um caminho adequado através do bom exercício do poder. Por sua vez, esse  exercício adequado só seria conseguido se o jovem trabalhasse o conhecimento de si próprio.Em seguida, Platão diria que qualquer um poderia praticar o cuidado de si tendo como finalidade a melhoria individual de cada um, o que determinaria a melhoria da polis (da cidade) , o que poderíamos relacionar num linguajar moderno como uma melhoria nos padrões de convivência da sociedade. Para isso, o jovem deveria ter acesso à educação diferenciada, fazer parte de movimentos religiosos, ter a capacidade de praticar o lazer  e outras atividades que obviamente, desde aqueles tempos e até hoje são restritas a uma pequena parte de privilegiados.

       Michel Foucault (1926-1984) dizia  :  “A partir da idéia que o indivíduo não nos é dado, acho que há apenas uma conseqüência prática: temos que criar a nós mesmos como uma obra de arte”.Foucault também dizia que “onde há poder, há resistência”. O cuidar de si, a conversão externa ou a mudança de comportamento muitas vezes não acontecem   por causa de  “poderes” internos ou externos que em grande parte não sabemos dar nome por falta de uma reflexão adequada.


       Então podemos perguntar quando e como precisamente começamos a atuar conscientemente nessa espécie de transformação interna buscando a conversão particular de um estado problemático para um estado de maior equilíbrio.A resposta de tal questionamento é um bom ponto de equilíbrio que determina que é necessário que cuidemos de nós mesmos como se estivéssemos prestando culto a um princípio ou uma vontade interior (que se revela através do autoconhecimento) de forma que possamos aproveitar com plenitude cada fase da vida.Para Foucault é necessário que tenhamos uma certa compreensão de que a velhice não é uma fase em que a vida esteja diminuída , inferiorizada mas sim um objetivo a ser atingido como finalidade máxima de um ser que ama a si e que quer viver a existência em plenitude aproveitando os frutos de variedades doces, azedas e amargas naquilo que eles têm de mais edificador.Mais uma vez, a compreensão do que é edificante se manifesta apenas em uma correlação com o autoconhecimento. É necessário encarar a velhice como um princípio norteador para a vida e não como um findar absoluto para a mesma.
       É preciso, portanto, que estejamos dispostos sempre a uma busca por uma metanoeim permanente (transformação de comportamento) realizando uma therapeuei (cura individual e pessoal) que possibilite uma vida plena e feliz, através de um comportamento aberto e construtivo não apoiado em conceitos dogmáticos. Essa busca  já era abordada por Epicuro quase 300 anos antes do Cristianismo para quem a felicidade com quietude da mente e o domínio sobre as emoções era um objetivo que poderia ser conquistado com  a prática filosófica. No pensamento  epicurista não podemos nem devemos evitar a filosofia na juventude ou quando se é idoso, não se deve cansar da prática filosófica pois nunca é muito tarde ou muito cedo para cuidar do intelecto, daquilo que nos anima a compreender a nós mesmos e ao que nos cerca. Para Epicuro, aquele que diz que ainda é cedo, ou que não é mais tempo de filosofar, parece àquele que diz que não é o momento ou não é mais tempo de se sentir feliz. Devemos, então praticar a filosofia na juventude e na velhice, pois dessa forma, as lembranças dos dias passados rejuvenescerão os velhos, e o conhecimento tornará o jovem tão firme, forte , decidido e sereno quanto um velho diante dos tempos que virão.
       Filosofar é uma necessidade.
J.T. Basilisco


Textos para Consulta:
http://www.fafich.ufmg.br/bib/downloads/Carta_sobre_a_felicidade.pdf
http://filoinfo.bem-vindo.net/plotinus/Alcibiades-I
http://www.giuseppebarbaglio.it/articoli/cultoTrento%20_2_.pdf

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